O livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive.

O título deste post é um aforisma de Padre António Vieira.

Uma das mais influentes personagens do século XVII em termos de política e oratória, destacou-se como missionário em terras brasileiras. Nesta qualidade, defendeu incansavelmente os direitos dos povos indígenas combatendo a sua exploração e escravização e fazendo a sua evangelização.

Responsável pelo desenvolvimento da prosa no período do barroco, Padre António Vieira é conhecido por seus sermões polêmicos em que critica, entre outras coisas, o despotismo dos colonos portugueses, a influencia negativa que o Protestantismo exerceria na colônia, os pregadores que não cumpriam com seu ofício de catequizar e evangelizar (seus adversários católicos) e a própria Inquisição. Além disso, defendia os índios e sua evangelização, condenando os horrores vivenciados por eles nas mãos de colonos e os cristãos-novos (judeus convertidos ao Catolicismo) que aqui se instalaram. Famoso por seus sermões, padre Antônio Vieira também se dedicou a escrever cartas e profecias.

Em Mensagem, um poema de seu único livro publicado em vida, Fernando Pessoa define Antonio Vieira como um profeta, ou seja, uma pessoa que pode anunciar o futuro:

 

O céu strella o azul e tem grandeza.
Este, que teve a fama e à gloria tem,
Imperador da lingua portugueza,
Foi-nos um céu tambem.

No immenso espaço seu de meditar,
Constellado de fórma e de visão,
Surge, prenuncio claro do luar,
El-Rei D. Sebastião.

Mas não, não é luar: é luz do ethereo.
E’ um dia; e, no céu amplo de desejo,
A madrugada irreal do Quinto Imperio
Doira as margens do Tejo.

Poema publicado em Mensagem (1934).

 

Neste poema, Fernando Pessoa qualifica António Vieira como o maior orador do seu tempo, notável estilista da prosa portuguesa como se denota no verso “ imperador da língua portuguesa”.

Quando Pessoa diz “surge, prenúncio claro do luar, El-rei D.Sebastião” refere-se aos escritos do Padre António Vieira referente às esperanças de Portugal de que um grande rei conduziria a um futuro Quinto Império do Mundo e também nas profecias de Bandarra que anunciavam o regresso do rei D.Sebastião.
Pessoa tem um momento em que afirma “foi-nos um céu também”, ou seja, designa António Vieira como um céu estrelado dos portugueses, grandioso, trazendo assim, grandiosidade à Língua Portuguesa.
No verso “Mas não, não é luar: é luz do etéreo”, o poeta diz que não é o luar, ou seja, o final do dia, referindo-se ao Império Material das Índias mas a luz celeste, o começo de um novo dia, um Império Espiritual, o Quinto Império.

Ou seja, nenhum povo se projeta se não tiver um desenvolvimento de língua, e a literatura tem a sua manifestação máxima.

António Vieira escreveu cerca de duzentos sermões em estilo conceptista, isto é, que privilegia a retórica e o encadeamento lógico de ideias e conceitos. Sua expressão linguística é arrebatadora, de grande engenhosidade no acabamento. Seus sermões são dotados de grande concisão, concatenação de ideias, e mesmo após 400 anos, ainda levam o leitor a refletir ao ler seus sermões:

A vida é uma lâmpada acesa, vidro e fogo. Vidro que com um sopro se faz e fogo que com um sopro se apaga. 

Ao ler a frase acima, tive a sensação da fragilidade da vida. Tão delicada, fina e transparente, pode ser criada com um sopro. Tão arrebatadora,  é como o fogo, que deixa sua chama pujante e violenta dançar frente aos nossos olhos, parecendo infindável. Mas, sua fagulha, tênue, pode ser apagada com um sopro, e de imorredouro é consumido pelo próprio fogo e fragilmente se extingue.

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