A mulher no período barroco

A sugestão de leitura desta semana foi o texto de Ana Hatherly, sobre a mulher na sociedade barroca.

Quando se aborda o papel da mulher na sociedade, é sempre posto em destaque o papel que ela desempenha na família, pois a vida da mulher está ligada à vida doméstica: – filha, mãe, esposa, enfermeira, governanta, reprodutora – o seu mundo é a casa, a sua ocupação. O tratamento da intimidade quotidiana está sempre em destaque, seja no passado, seja nos dias de hoje.

É provável que esse pintura se se faz da mulher não reflita de fato o papel que a mulher desempenhou na sociedade do período barroco. Ela certamente foi também heroína: dama ou cortesã, intelectual, artista, mística ou até santa.

Um exemplo foi a Sóror Violante do Céu. Sóror é uma forma de tratamento que se dá para freiras. Sóror Violante do Céu nasceu em Lisboa em 1607 e faleceu em 1693, com 86 anos de idade. Ela foi uma intelectual que esteve em contato íntimo com a aristocracia cortesã e literata do seu tempo. Muito elogiada pelos seus contemporâneos, portugueses e espanhóis, escreveu muita poesia e atribuiu-se-lhe ainda uma peça de teatro que teria sido escrito para homenagear Felipe II quando de sua visita a Portugal em 1619. A importância da poesia desta autora nunca deixou de ser posta em destaque na história da literatura portuguesa e sempre foi considerada como uma exímia e inspirada autora que soube transmitir, através duma prática poética do mais alto nível, toda uma sensibilidade em que se espelha não é uma vida mas toda uma época.

A menção sobre a Sóror Violante do Céu me fez lembrar as gueixas. Em japonês, 芸者 são mulheres japonesas que estudam a tradição milenar da arte, dança e canto, e se caracterizam pelos trajes e maquiagem tradicionais. Surgiram no período Heian (794 a 1185 DC), e por algum motivo ficaram conhecidas no ocidente como o equivalente à prostituta, mas na realidade são artistas que desenvolvem suas técnicas ao longo de anos, em uma educação muito rígida e controlada.

É interessante notar como o mundo feminino é visto de uma forma diferente do mundo masculino. Ao invés de destacarmos as capacidades uma mulher, o que sobra na mente das pessoas é a beleza da mulher, a sua capacidade de sedução, e não as capacidades e habilidades que ela tem. Talvez esse seja o motivo pelo qual as Gueixas ficaram conhecidas no Ocidente como prostitutas, e não artistas. De fato, o contato do Ocidente com as Gueixas ocorreu especialmente na época da guerra, quando ocorreu o declínio na arte das gueixas e o termo passou a ser usado para indicar as prostitutas de militares americanos. Mas isso foi em 1944, e essa ideia de beleza relacionada à prostituição já poderia ter sido superada.

A vida de uma gueixa era muito rígida. Geralmente começavam com 9 anos de idade. Para não estragar o penteado, elas são obrigadas a dormir com o pescoço sobre um pedaço de madeira. Para reforçar o hábito de não movimentar a cabeça durante à noite, derramava-se grãos de arroz em torno do suporte de madeira. No Japão se costuma comer o arroz mais umedecido e grudento (tipo unidos venceremos). Caso a gueixa se descuidasse enquanto dormia, amanhecia com os grãos grudados no cabelo.

Elas aprendiam a arte de servir o chá (茶道) e a tocar shamisen (三味線)- um instrumento de cordas parecido com um violão, mas que se toca com um tipo de pá. Elas aprendiam a dançar, a se maquiar e a manter a tradição cultural das gueixas. Eram proibidas de ter relacionamentos amorosos ou de se casarem, como as freiras do ocidente. Eram, portanto, grandes artistas que perpetuavam a arte tradicional, mas o que ficou estigmatizado na cultura ocidental e até mesmo no Japão foi a ideia de cortesã.

O texto e o estudo sobre as Gueixas me fez pensar que a Sóror Violante do Céu e as Gueixas foram na realidade mulheres que, ao se embrenharem no caminho das artes, isso as libertou das limitações impostas ao sexo. Ultrapassaram a própria condição e se tornaram figuram exemplares, num tempo em que a mulher era e ainda é largamente contestado o direito à afirmação pessoal.

 

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